segunda-feira, 31 de março de 2008

Como o abuso de poder ofende Arte e Cidadania.

Não, tem que ser agora!”

Foi o que me disse aquele senhor ranzinza que por pouco não me arrastou teatro à fora, enquanto eu desligava o notebook. Devo confessar que minha perplexidade se confundia numa profunda indignação: acabáramos de fazer um espetáculo lindo; casa cheia de um público felicíssimo... Que motivo teria aquela figura irascível para tamanha rudeza?

Calmamente fui conduzido por alguém da nossa equipe para o ônibus. Fiquei sabendo, então, de uma certa pizza indigesta. Achei a coisa no máximo cômica.

Dias depois a agenda estava alterada: apresentações foram canceladas. Soube da ameaça, “dedo em riste”, de que não nos apresentaríamos mais em eventos patrocinados pelo Estado.

O que será tudo isso? Vaidade? Inveja?

Bobagem: somos apenas fagulhas. Pessoas poderosas apagam fagulhas todos os dias.

Ah, mas essa não! Essa arde. Arderá!

É bem verdade que para certos poderes a cultura deve ser tratada como artigo de segunda. Artista não pode virarestrela”. Não pode julgar que, por receber os aplausos, o respeito e o aval do público, tenha direito a algum tipo de dignidade.

Até essa nobre alcunha, “artista”, é reservada às sublimes figuras televisivas e radiofônicas. Nós não: somos carne de segunda. Independentes. Soa no nosso inconsciente um fortequem vocês pensam que são?” Saberíamos com quem estaríamos falando?

O que se estampa aqui bem diante da sua, da minha cara, é um estrondoso “cale-se”. É umquem manda aqui sou eu!”.

Você, enquanto eleitor, contribuinte, cidadão, público, não representa nada. Eu, como artista (se me permite) sou o reles que deve beijar a mão do suposto mantenedor do teatro estadual, do guarda da praça pública, do fiscal da biblioteca. Eles podem brilhar: são as únicas estrelas...Ainda que ninguém os aplauda.

Porém, a corajosa atitude dos membros do Orkut demonstra o que podemos nessa nova realidade “interconectiva”. Tal qual um zumbido de mosca na orelha de um gigante malvado, eles estão “incomodando”. Assim se faz a cidadania. Assim deve ser a nova democracia, como nenhum grego da Antigüidade ousou sonhar. A nossa voz precisa ser ouvida.

Por outro lado, temos que acertar bem em cheio a orelha. Quem são os malvados? Como pode a mosca afetá-los?

Com o voto. Melhor: com o não voto neles.

Não é o Teatro Mágico que está sendo caçado, cerceado. Não é apenas o público do TM que está sendo profundamente ofendido em seu direito cultural: aqui a afronta é contra todos os artistas. Todos os cidadãos. O espaço público está sendo violado pela imoral demonstração de força de alguns.

Nesse ano de eleições, atente bem para esses atores e seus parceiros de poder. Avise seus amigos. Espalhe a nova-velha: esse tipo de imposição, essa demonstração de poder, aliás, de abuso do “pequenopoder, permeia algumas administrações...Não todas...Apenas algumas.

Fique bem atento, meu caro: você pode votar na tirania. Você, nas próximas eleições, pode eleger o devorador da liberdade de expressão artística.

A arte liberta. O administrador, muitas vezes, condena ao ostracismo.

Não permitiremos. Aqui não!

Ama a vida e segue!

sábado, 1 de março de 2008

Epifania

Autor: Luiz Galdino de Santana. (Galdino)
registro: http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/2.5/br/


Quisera
vencer meus dias assim:

Peito pro alto... fitando letras...

fora o Sol a pino

Notas zumbindo de uma guitarra maltratada

Entre gemidos recém-nascidos

E os pios dos pardaizinhos cantando à-toa

Ninguém que os perceba.

E essa desídia de ser

Essa “desidéia”

Essa “desfigura”

Essa “desforma” do ter

Bordadas pela mácula transparente que os cílios sentem sem saber.


Almejar.

Mais que desejar: Venerar.

A formiguinha diante do pirulito caído...

Aquilo que não se compra. Não se conquista.

Dádiva; suspiro de olhos-rasos-ocos perdidos.

Conectado ali estarei, mesmo no segundo último

Antes de tornar-me uma vaga idéia em quem eu quis

A essência reabsorvida àquele vácuo

Entre um mero existir e o infinito nada

Serei, assim, um devanear encantado, uma rima,

Uma poesia.

Sua saudade diluída na balbúrdia de si mesma.


Vida sem riscos: melhor fosse meu avô na tumba

E se tuba não tivera o pobre “bebum”?

Antes terra na cara a engolir esse antiestilo de viver.

“O”: essa letra é a eternidade.
Qualquer uma:

Letra. Eternidade.

Cada perenidade não é mais que um piscar.

Entretanto, vou processar celebridades por tentarem me invadir com sua privacidade.

Vou fazer a lista dos cem mais miseráveis da revistaFomes

Vou por no meu perfil da Internet as minhas mais loucas taras

Vou revelar qual é o nome que me tira do ar.


Refeição matutina: uma xícara de passado,

Dois futuros estalados e a musa, despudoradamente, nua sobre a mesa.

A mesa do presente devidamente forrada com a toalhinha da ambigüidade-caos.

que todos se enganaram: na verdade é o “agoraquem não existe!

Sim, “QUEM”!

Ele nasce morto.

Acéfalo.

Sem perspectiva nem história.

São as mãos num córrego por entre pés ladeados (passado e futuro) que contam.

Somos a passagem, as águas frias mornas quentes!

Pr'além do tempo, dos pés, do córrego, das mãos, da história, da morte, da vida...

Nunca nos bastaremos: estamos fora do alcance da mesura mais precisa.

Visto que sou , irrito as narinas alérgicas de deus

E deus é sumidade adivinhada pelo sábio selvagem atormentado sob trovão.

Tenha .

Acordo um de verdade (selvagem? deus?) com meu cetro melancólico

Aconchego de bicho domesticado e de estimação

Visto-me daquilo do que foge e molha de pavor o cínico:

Qualquer afeto mais tolo.

que “é carência, gostar”.

Também o é, carência, engolir-cuspir atmosfera.

Não será?

Vis-à-vis, eu pra tu, que não pára em , que tem rude movimento,

Zanze assim - olhos sem face. Face sem olhar.

Lágrima caçando autor de si. Autor calçando um vão no firmamento -

Suplico: ombros à frieza sombria, sóbria e coerente:

Ponga nas horas. Ri dos segundos atarefados.

Viça: sê mais um apaixonado ante existir.

Epifania.