quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Timidez

Autor deste conto: Luiz Galdino de Santana. (Galdino)
registro: http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/2.5/br/

Sob a luz.

O Sol despencava das alturas mais assustadoras. Espantosas. De súbito aconchegava-se nas folhas finas e frágeis; nas gramíneas douradas pelos raios cintilantes, com inenarrável delicadeza.

Todas as formas eram suas criaturas; todas as criaturas eram formadas e desenhadas pela sua língua que a tudo lambia sem permitir que nada lhe escapasse.

Não se tratava de liberdade poética. A poesia era imposta sem que outra forma de expressar-se pudesse ter a menor validade, qualquer ciúme ou vaidade.

Após banhar as árvores, as calçadas, os casais de mãozinhas coladas; os bichos desatentos, as avós com seus netos, e o que mais era parte desse frescor frugal, a luminosidade cumpria seu objetivo maior, único para mim, ao trombar com aquela figura exuberante. Ainda que, com seu fulgor, ela não carecesse de Sol algum, que de luz própria.

Era o meu conluio com a luminescência daquele dia que lhe justificava ao fazer com que a moça se colasse às minhas meninas e morasse nesta retina quase cega de decifrar tantas cores com
acuidade
faminta de tal visão.


Eu vi você...

E se eu fosse o astronauta pisando pela primeira vez na lua, não veria a incrível esfera azul. Sim, veria esse rosto cândido. Pois ele é para mim mais que todo o universo.

E se, agora, tivesse eu a opção de atentar nas coisas insignificantes à nossa volta, perceberia como tudo está estático. Como o tempo é petrificado. Congelado. Estancado no momento da contração da minha pupila ao lhe ver alheia. Pasmo e apaixonado!

Veria a gota d’água equilibrada no espaço logo depois de saída do bico da torneira, qual cena de alta resolução no cinema.

Veria o avesso do som sem ter como se propagar. que até o imperceptível, delicado e afoito movimento das asas daquela que desliza bela, abelhinha, seria o necessário, ou melhor, o suficiente para romper, irromper; corromper com tristeza lacerante e terna. Quebrar, estilhaçar; como uma pedra na vidraça, como o agudíssimo da soprano frente ao cristal, como a bomba de Hiroshima bem no meio do meu quintal, esse único e infinito momento.

Contraditoriamente, se todos os bilhões de homens, mulheres e crianças gritassem furiosamente no mesmo instante, e ainda tendo como aliados todos os seres animados e inanimados que possam provocar alguma espécie de ruído; essa enorme e inédita grita, seria, aos meus ouvidos atentos ao seu suave arfar, como uma pena de andorinha alva vinha caindo do pináculo da cordilheira dos Andes no epicentro negrume abissal da terra.

Volto a afirmar que toda essa ladainha, todo esse suposto infame e tudo mais são meros delírios. que até o vento, neste instante, é empedernido.


Você me viu...

Exatamente quando os imorais raios, por sua parte, faziam aquele balé matutino e esgueiravam-se sobre a sua pelugem delgada e rósea, contornando as orelhas translúcidas, os cílios ao derredor dos olhos musgos, as narinas e, finalmente, os lábios... aqueles lábios...

Lábios que assumiam o devido relevo e altissonância de torpor sensual e voluptuoso.

Quando o mesmo clarão diáfano corria seu pescoço ávido, em meus delírios, de minhas presas gananciosas e esbarrava na roupa atrevida e indigna de cobrir, insidiosamente, as setas pontudas e histriônicas: mamas que conluiavam e se concluíam cruelmente no que minha mente tolamente supunha reproduzir, deduzir, adivinhar...

Quando meu cio aos seus poros colava e realçava os frêmitos deste meu peito exasperado e descompassado à beira de um penhasco de delírios descomunais: os pés, soltos no ar, e aquele chão que não vinha; aquele choque terrível que não aniquilava nunca; aquele frio percorrendo da barriga à cabeça, da cabeça à espinha, da espinha à alma minha.

Quando, qual magia, você posta diante de mim, ao meu alcance ainda que numa redoma intransponível, preservada inteiramente em si, viu-me desvendar nitidamente o que apenas, até então, deduzi:

Nos percebemos.

Agora eu sei que todas as outras poderiam se lançar no Vesúvio em plena erupção. Poderão.

Agora me é claro que todas as outras eram arremedos ridículos de uma mera displicência sua; fantoches de algum deus gaiato. E você sempre esse ser universal: pasmando, compondo e decompondo todos os sentidos. Essa ilha num oceano de profundas águas belas, de mistérios colossais e certezas infinitesimais.

Agora entendo a razão pela qual as letras dos meus livros, das minhas revistas, dos meus jornais teimam em se reordenar para escrever seu nome diante destes olhos lacrimais... lacrimais... lacrimais...

que nada mais consigo enxergar: seu nome seu nome seu nome!

Sua razão: Isabella. Ela, Belinha.

Essa palavra sobrenatural: a natureza que ainda não podemos, não queremos, não devemos nem ousamos admitir. Um anjo-demônio, único capaz do vil-encantar. Enquanto os outros, tão certinhos errantes, se evaporam pelo ar.

Nos aproximamos.

E pela primeira vez em toda minha tola vida sabia: havia eu. Sim, agora sim, Deus existia. Qual outra explicação?

Que o cosmos não tenha fim nem começo e esteja além do “ser ou não ser”, do “ter ou não ter”, do “estar ou não estar”, não me é estranho.

Mas, cair o véu que me tampava ao seu olhar, mais, à claridade que de dentro, das profundezas inalcançáveis de você, brilha sem par, e ainda me sentir ancho nesse cadinho sem dimensão...

Não, não havia acaso. Alguma força cooperou, coordenou; regeu cada ataque da orquestra do destino. Teceu com corda forte e imática atraindo o que era solto na imensidão abstrusa das emoções para atá-la em mim pelos dias dos séculos: agora!

Bem sei que quaisquer outras nunca existiram. Jamais existirão.

...E meus lábios foram aos seus...

Qual ímpeto teria arremessado o destemido rumo à dor lancinante de sua autonegação?
A lascívia secretando o medo ou o medo denunciando a lassidão?

Que desajuste seria suficiente para fazer-se supor capaz, o alfinete, de suturar a constelação?
Da loucura revelar-se ante o desejo ou do desejo negar-se sob a razão?

Quão soberbo o ébrio seria em (cheio de tontice) desvelar-se são?
Qual a tolice que desnuda o âmago ou como o âmago que soterra a paixão?

Assim fui eu!

Meus lábios navegaram um caminho sinuoso cheio de ambições subterrâneas. Subcutâneas. De monstros mais vorazes e assustadores que os de qualquer Gulliver ou da Gama.

Na verdade um descaminho sem volta, e de ida. Nunca chegada.

Desaforada, desafortunada, desencorajada, desavisada: Pobrezinha a boca minha que de lábia nada tinha.

De tão delgada, gelada, trêmula e angustiada, desviou-se e aportou na parte curva dessa proa, seu rosto, que desce desde a linha d’água dos cabelos até o convés principal da nau flutuante. A boca.

Nas maçãs carnudas agora em puro sangue, carmesim frondoso, de sua face candente, repousou solene e silente. Em demasia, decente.

Beijei sua face.

Por que seus olhos me fugiram? Confessaram sentir mais alento no fundo chão onde eu me enterrava, quanto menos você me olhava. Os brilhos, até aqui inabaláveis, de repente soçobraram. Por quê?

Eram os seus ou os meus pés, o que você tanto caçava?

Doara-me essa maldição de ubiqüidade: enquanto eu corria no labirinto que era eu, perdido em mim mesmo, caía de seus olhos semi-serrados na terra úmida, no vasto mundo. Lugar nenhum onde eu estava, mas você não.

Onde eu "não", era você. Mas, se me desejava contemplar, percebia quem não me enxergasse a mim, em nenhum lugar.

Talvez fosse aquela minhoquinha (que eu nunca vi) o que entretinha sua mente possivelmente vazia.

Suas pálpebras desciam lentas... lentas... lentas...

Mas tão pesadas que a gravidade não lhes suportava, e as cortinas daquelas janelinhas desmoronavam: furavam o chão, perpassando, atravessando o Globo de cima à baixo e de baixo à cima até vazarem na Via-Láctea.

Percebi minhas mãos desejando segurá-las como se eu tivesse alguma força heróico-descomunal. Qual nada: se quer, balançaram. Agora era eu quem não mexia.

Destarte, sentia tudo em meu redor girar girar girar!

Tão rápido que a moleza inerte da luz não acompanhava essa tonitruante roda que nos engolia para alguma “antiórbita”.

Éramos, ambos, um buraco negro no centro de uma grande nebulosa. Mumificados num instantâneo que se estendia do passado ao futuro, e deste ao aquém sem fim, transpassando-nos nesse ínterim, dando de ombros ao contínuo.

Marejem, meus olhos d’água. Justifique-me, amor(ticínio):

Caía sobre mim a sombra que o tolo exalta... lamenta: ata, fosse uma canção; rima, sendo o que peito tece.

O bálsamo que, somente aos esculpidos pelas mãos sublimes do denodo, fustiga e consola, agora espanca-estanca “eu”.

Esse medo que castiga, intimida o frio; dorme nos temerosos infelizes. Agora, me é pertence.

Ó, “porquê” d’além-razão de quem não crê. Sabe. Resvale na escuridão, precipite na dor. Transfigure-lhe. Liquefaça-me. “Solitude-se”.

Pois eu amo. Pois eu vivo. Pois eu sinto. Pois eu, eu, eu: VOCÊ!

Entoava, numa cantiga minha, escrita ali, em pauta de éter, nas córneas (mais que silício) da memória, aquele átimo... aquele átimo... aquele átimo...

“O amor abriga e fere”.

- Ah, se ao menos ela fosse algum afeto... nasce em mim.
- Ainda... ainda poderei amá-lo...Dorme em mim...

Fim.



Galdino. Osasco, verão de 2007.

17 comentários:

Unknown disse...

Ah, aqui sim eu posso responder, já vou linkar esse blog no meu, fica mais fácil de acessar :-)
Ainda não achei uma palavra que tente passar o que eu achei do final (... não achei palavra ainda...) do texto... Fico só na reflexão... nas viagens e pausas mentais...
Carrie

DRM disse...

Galdino se é foda heim?
Rsrsrsrs

Anônimo disse...

Teste

Anônimo disse...

Violinista, apaga essas duas msgs de teste, please?!

Unknown disse...

Lindooo demais viu?!
vc simplesmentee tem o DOM das palavras !

Iza disse...

Genial!!!

E pensar que esse é só o começo!! Quero mais, muito mais!!!

Parabéns!

Unknown disse...

Olá Galdino =D
Achei lindo seu conto e sua canção. Realmente seria difícil identificar no começo qual era a música do conto ahahaha. Você possui um talento absurdo. Me sinto ignorante quando leio seus textos ahahaha ao mesmo tempo que conseguem repassar tanta coisa boa. Parabéns! mesmo, de coração =**

Elis disse...

LINDO!!!!!!
Adorei ler de maneira consecutiva, sem precisar ficar abrindo tópico por tópico....
A música também é linda... muito bcana esse processo de compartilhar com a gente passo a passo!
beijos!!!!!

Renata Osti disse...

sabe aquela preguiça que grita quando a gente vê que o texto é longo? pois é, essa quis me dominar.
mas você consegue entreter-nos, manter a gente ligado em cada detalhe, cada pedacinho de história.
é incrivel esse DOM, é, DOM mesmo, e daqueles BONS, com as letras capitulares.
aqui fica um pouco da minha admiração.
eu ainda tenho mto caminho pela frente, muitos livros a ler, quem sabe até mesmo um aurélio pra poder alcançar-te.
mas um dia, um dia quem sabe.

caroba disse...

grande Galdino...acho q encontrei mais um grande poeta brasileiro...
cara seus textos sao maravilhosos, fico sem palavras pra descrever td q eles me fazem sentir e pensar...
boa sorte na sua jornada da vida....
bjks

caroba disse...

grande Galdino...acho q encontrei mais um grande poeta brasileiro...
cara seus textos sao maravilhosos, fico sem palavras pra descrever td q eles me fazem sentir e pensar...
boa sorte na sua jornada da vida....
bjks

Unknown disse...

Galdinoo q d+!!!

Adorei "Timidez" e musica!!

até + e de uma passada no mue blog http://conscienciaearte.zip.net/

abraços

Desertor disse...

Galdino!!
Maravilhoso o texto...

encontro um pouco de mim aí dentro... Enquanto leio, não sei se sou personagem, não sei se sou teu público e as vezes me perco, me fazendo um pouco ator e um pouco leitor...

adorei... eu qro é mais!

Abraço!

Valdeline Barros. disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Valdeline Barros. disse...

O conto!
O misterioso e aflitivo conto!!
O lindíssimo conto eis: Timidez!

Já te disse, mas não custa repetir:
tá belo, bello (em italiano)!! :P

Beijinho,
Val.

Unknown disse...

Tava com saudades das suas lindas palavras e vim aqui mais uma vez ler Timidez
e a cada leitura q faço fico mais e mais encantada, apaixonada e impressionada com mais um de seus mais belos dons

Parabéns mais uma vez!
Você é incrível!

DÉBORA disse...

Que beleza de conto. Muito lindo e eu adoro a música a qual ele foi a inspiração!
<3