(autor deste texto:
Galdino).
Essa multidão de esbaforidos pelos metrôs, ônibus, ruas, lojas, shoppings... à que se prestará?
Mais uma vez, meus caros, às festas! Nossas confraternizações. De fato deve ser algo muito fraterno dar e receber presentes. Quem sabe...
Talvez o fim esteja mesmo no prazer das compras, nas comemorações e em mais um momento de esquecimento das mazelas do ano (ultra) passado.
Portanto, quem seria o inconveniente que deitaria dúvida nas supostas motivações de final de ano? Deixo isso para alguém mais corajoso ou “chato” que eu. De minha parte, prefiro pensar no lado realmente importante desse preliminar balanço de nossa transitoriedade. De nossa passagem pelo maior espetáculo do qual todos os canalhas, todos os honoráveis, todos os vilões e todos os heróis tiveram o fantástico privilégio de participar: a VIDA.
Lembro-me, como quase todos nós, em menino, da esperança ardorosa de ver algum dia a “passagem do ano”. Queria tanto não dormir para ver o momento exato em que um ano morria e o outro nascia. Deveria ser algo estonteante. Afinal, todo aquele banquete. Aquelas roupas especiais, aquela alegria... Tinha que ser um evento inigualável.
Mas ficou fixada uma certa decepção quando finalmente consegui manter-me acordado e vi apenas alguns adultos gritando: “feliz ano novo, feliz ano novo”. “Cadê?”, me perguntava.
É verdade, me fazia de feliz também. No entanto, perdi muito do entusiasmo. Tempos depois, vi essa mesma história numa revista infanto-juvenil e coisas parecidas descritas por um ou outro articulista de jornal. Então me ficou claro que essa era uma das grandes decepções que nós carregamos: é mentira, o ano nunca passa.
Num ótimo filme que vi nesses dias (Rosencrantz e Guildenstern estão mortos), uma questão levantada também já houvera me ocorrido: qual e como terá sido o momento exato em que, verdadeira e profundamente, tomamos consciência da nossa mortalidade? De que estamos morrendo agora.
Hoje me pergunto também qual a razão desse momento ter sido prontamente apagado de nossas mentes. Por que fugimos dessa verdade insofismável? Com certeza terá sido muito mais atordoante que minha descoberta de fim de ano.
Qual força, então, terá apagado, até mesmo censurado em minha memória, esse milagre? Que razão haverá para tão enorme pavor já que, realmente, temos motivos de sobra para crermos que a morte é um "lugar" plácido de onde nunca ouviremos (a menos, talvez, que sejamos sensitivos) a menor reclamação ou lamento?
Já da vida...
A vida... Ah, a vida. Como custamos a chegar aí. Ou melhor, aqui: quantos decênios, milênios, ou lá o que for.
Esse momento (e agora eu entendo bem a “passagem do ano”) deveria ser sagrado e cultuado todos os dias. Não direi “todo o tempo” para não corrermos o risco de sermos fundamentalistas de nós mesmos.
E o que estamos ou, pelo menos, deveríamos de fato estar comemorando, saudando, se não a nossa vez nesse imenso banquete?
Se eu não fosse “eu” o que, então, seria?
Apenas “serei” por alguns breves momentos lançados nesse universo infinito: minha insignificante existência, minha consciência disso, minha inconsciência de tanto mais, minha aconsciência do que eu puder.
Não é a morte, como um fato vindouro, que transforma a vida em algo espantoso. A morte, a nossa morte, sempre esteve aí. Quantos anos eu poderei vir a ter? Cem?
Pois isso é nada. Uma fagulha no gigantismo que é a insignificante história humana frente ao cosmos.
Imagino a resposta de um senhor centenário, quanto a sua percepção da vida: "passa muito depressa: foi ontem, quando sugava as doces mamas, embalado pela cantiga de mamãe..."
A grandiosidade, meus bebês (e somos todos nenéns), é a VIDA como fato agora! É ter acertado em cheio nessa loteria: fomos sorteados com o prêmio dos prêmios. E, ainda bem, não ganhamos sozinhos. Estamos todos nesse momento particular, participando da festa das dores, dos prazeres, dos temores, dos amores, das alegrias e das saudades... Saudades. Como temos saudades. Teremos depois... Dessa vida?
E ela é tão doce. Eles, os que se foram mais cedo da nossa farra-existencial, também estiveram aqui, e, de alguma forma, ainda estão. Pode duvidar. Mas creia... Creia!
Então, o que falar desse, digamos, desespero para a “virada do ano”?
Ora, é tão bom comemorar o que nos dão. Não é!?
Mas seria bom, em algum momento de toda essa tontice, percebermos que não é o ano quem passa. Somos nós. E, mais ainda, não é ele, quem renasce somos nós.
Talvez seja uma surpresa soberba descobrirmos que podemos nos embriagar ou delirar dessa obviedade que é percebermos a vida.
Aliás, o ano que passar sempre estará, em pedaços ou não, lá dentro. O que virá, já estamos saboreando agora com nossas expectativas. Portanto, nossos sentimentos são atemporais: tudo é novo; tudo é velho. Quem decide, na medida do possível, somos nós.
Estamos vivos, e isso é muito. Por ora é tudo.
Mas, pra termos um denominador comum, sabe, o que eu queria dizer mesmo, enquanto ouço as cantatas de J.S. Bach (atemporais), era: FELIZ ANO NOVO.
Ama a vida e segue.
Galdino.
2007, e venha 2008.